No
final de semana que passou (dias 12, 13 e 14/jun) aconteceu o V Rio Branco
Fashion Week, o evento de moda da capital acreana, que na oportunidade as
modelos acreanas divulgaram os produtos das lojas da cidade. Foi meu primeiro
evento do gênero em Rio Branco, confesso que gostei muito se não fosse um
detalhe do primeiro dia, diga-se de passagem, um grande e grave “detalhe” que
faz toda a diferença no resultado do evento.
Iniciando
a apresentação das meninas e meninos que naquela noite eram as “estrelas” do
evento, imediatamente eu contei treze meninas e cinco meninos perfilados num
palco, a rigor todas magérrimas e os homens naquele estilo “malhadão”. Esse não
é o “detalhe” que me referi no parágrafo anterior. O fato que mais me chamou a
atenção foi ao perceber, imediatamente com um olhar clínico, que das treze
garotas apenas uma menina era negra, as outras doze meninas eram o modelo
europeu de beleza, loiras de olhos azuis. E dos cinco garotos nenhum negro,
índio então nem se fala, nem nas meninas e nem nos meninos havia um sequer com
traços indígenas, apesar de o evento ser realizado numa cidade onde várias
índias (os) residem.
Com
essa observação já fiquei me coçando todo na cadeira, inconformado ao extremo
com aquele racismo “velado” que os meus olhos denunciavam, queria imediatamente
sair dali e falar com a organização do evento, mas me contive e assisti o
evento até o final. Para algumas pessoas essa minha avaliação pode ser um tanto
extrema, um tanto fora da realidade, desnecessária, um grande exagero. Até
porque há quem diga que “somos todos
iguais, independente se é preto, amarelo, branco ou índio”. A pergunta que
não quer calar é a seguinte: será mesmo que nas relações sociais somos tratados
nessa igualdade? Muitas pesquisas afirmam que NÃO.
O
fato é que ao final fui falar com o organizador do evento, me dirigi até o
rapaz, me apresentei, o parabenizei pelo o evento e fiz uma simples pergunta: Por que das treze meninas desfilando só
tinha uma negra e dos meninos nenhum negro, no acre não tem modelos negras (os)
e índias (os)? Na verdade não é uma simples pergunta, até porque na
resposta ele me faz uma pergunta: O
senhor está achando que isso é racismo? Eu não afirmei nada (até porque se
faço isso escancaradamente eu estaria acusando-o de um crime, cabendo ao
acusador, no caso eu, provar o crime, como sabemos, não é nada fácil provar um
crime racial no Brasil) apenas fiz uma simples pergunta e disse mais, seu
evento está belíssimo, porém não está representando todas as belezas acreanas
que temos, pois não temos nenhuma índia (o) e só temos uma mulher negra e
nenhum homem negro, como pode observar seu evento não demonstra para o público
as diversas belezas que temos num país tão multicultural e afrodescendente como
o nosso.
E
o rapaz insistia em dizer que o desejo dele era exatamente valorizar a beleza
negra e por isso havia colocado a única negra para desfilar em todos os momentos,
pois particularmente ele achava a beleza negra magnifica. Fui embora após essas
e outras desculpas esfarrapadas que não minoraram o racismo gritante, pode ter
sido até não intencional, isso não importa, mas estava ali estampado para todas
as pessoas constatarem, mas é claro, nem todas estão vendo esses detalhes, o
quanto as pessoas reproduzem a imposição do padrão “perfeito” de beleza, qual
seja, o europeu, o único e belo padrão a ser seguido. E os cabelos negros encaracolados,
as tranças e o rastafári? Que se danem o padrão de beleza é cabelo loiro e
liso. Descontruir essa imposição social realizada pela a indústria de beleza e
a grande mídia é uma tarefa diária do militante que deseja e luta por um mundo
mais igual, sem preconceito e discriminação.
Eu
não sei se meus poucos minutos conversando com o organizador do evento surtiu
algum efeito, o fato é que no outro dia ao chegar para assistir o desfile, meus
olhos foram surpreendidos logo na primeira apresentação com um equilíbrio de
raças entre as (os) modelos. Já tinha a modelo com traços indígenas, homens
negros, e a cada dupla de garotas que entravam no palco para desfilar uma era
branca e a outra era negra, ou em alguns casos como vi, as duas eram negras, e
assim se viu um equilíbrio na cor das modelos. Diga-se de passagem, que vários
eram os comentários de elogios da plateia em relação à diversidade étnica
racial presente nas (os) modelos, tanto nos intervalos como na saída do
evento.
Não
sei se a conversa do dia anterior interferiu nessa diversidade apresentada no
segundo dia de evento, mas o fato é que não aguento me calar diante de tamanha
discriminação proporcionada pelo racismo velado que diariamente afeta as
relações sociais e aumenta ainda mais o fosso entre negros e não negros,
excluindo-os de usufruir direitos elementares da cidadania. Subjugando uma raça
em detrimento da outra. Uma juventude negra que diariamente é vítima da bala
perdida; é vítima do cassetete da PM; é a maior parte da população presente no
sistema carcerário; é excluída do acesso às políticas públicas de inclusão
social; acumula a maior taxa de desemprego e a maioria vive em condições
sub-humanas nas periferias das cidades, longe de possuir uma educação de
qualidade capaz de formar um cidadão que promova o desenvolvimento do
país. Logo, não me calarei enquanto vida
tiver, e não medirei esforços no sentido de minorar o fosso social existente em
nosso país, combatendo arduamente o racismo “nosso
de cada dia”.
Charles Brasil, Trabalhador
em Educação da Universidade Federal do Acre (UFAC); vice-presidente do Conselho
Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Rio Branco.
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